O poder dos "E se?"
Uma pergunta singela que abre um mundo de possibilidades
“E se"?” é *a* questão que mais influencia os meus projectos de crochet e o meu percurso crocheteiro no seu todo. Recomendo mesmo muito que a faças ofereças a ti mesma/o, e às pessoas de quem gostas, de vez em quando.
Só queria ser assim tão destemida no que toca à vida em geral. Mas este é um trabalho-em-desenvolvimento, ou pode sê-lo se assim quiser. E quero. Quer dizer… Não estou a ficar mais nova, e ter medo da vida já está a modos que fora de moda.
Perguntar a nós próprios “e se?” é um óptimo exercício para abrir possibilidades, tanto no nosso processo criativo, quanto no nosso processo de tomada de decisões.
Muitos, se não todos os meus projectos de crochet surgiram de colocar esta mesma pergunta uma e outra vez. E se eu experimentasse esta forma ou esta construção? E se adicionasse uma terceira cor, ou fizesse este ponto assim em vez de assado? E se eu tentasse adaptar este tipo de design ao crochet mosaico?
Às vezes, isto leva a muitos UFO’s (projectos inacabados), peças que começo e não termino (logo ou nunca). A verdade é que o crochet tem sido uma espécie de laboratório-recreio-ginásio para mim, para exercitar a minha capacidade de correr riscos num ambiente controlado. No caso do crochet, o único rico é gastar tempo, energia ou fio, sem consequências de maior. E aprendemos sempre alguma coisa, por isso nunca é realmente um desperdício.
Ajuda-nos a ficar mais confortáveis com a experimentação, permite-nos testar ideias, brincar sem saber ou sem nos preocuparmos (muito) com o resultado final. E talvez isto escorra um pouco para outras áreas da nossa vida, e nos deixe um pouco menos desconfortáveis com a ideia de correr riscos em assuntos mais sérios do que um simples projecto de crochet.
A beleza - do crochet *e* da vida - é que às vezes um risco vale tanto a pena, e acaba por se transformar em algo que me deixa mesmo muito entusiasmada. Abre tantas possibilidades! Provavelmente, devia pôr “risco” entre aspas, por o risco real - no crochet *e* na vida - é nunca descobrir em que é que se pode tornar, o que é que conseguimos fazer. E este é um risco que eu não quero correr. Acho que não me ia perdoar.
Divago, eu sei, mas isto não vem do nada. É algo que já sei racionamente. Mas cá dentro? Tornar-se uma forma de ser, de fazer, de tomar decisões e dar passos sem hesitar, adiar constantemente, ficar ansiosa ao ponto de me apetecer esconder num buraco algures, sempre? Isso já é outra coisa. Ainda não cheguei lá, mas estou a dar pequenos passos e a celebrá-los. Estou a aprender a dar pequenos passos, e a aprender a celebrá-los.
Oh como as férias de Verão passam a correr... Regressar ao trabalho e ainda, sempre, ter tanto trabalho para fazer para além do trabalho…
Não, não fiz tudo o que queria durante as férias, mas fiz coisas com que estou satisfeita, e até entusiasmada. E algumas têm que ver precisamente com esta coisa de “correr riscos”, com esta coisa de nos perguntarmos “E se?”.
Mas comecemos pelo princípio.
“E se” numero uno: uma mala em crochet
Tinha há algum tempo uma ideia para uma mala em crochet inspirada pelas técnicas artesanais tradicionais do Japão. Parece que, sem o saber, estava à espera para descobrir a Técnica de Crochet Mosaico Contínuo da Susan Lowman, combinada com pontos altos ancorados, para finalmente desenhar a mala de uma forma que acreditava que podia funcionar bem.
Esta inspiração japonesa pode parecer um pouco aleatória, mas sinto que era para ser.
Encontro-me num romance de 3 décadas com as artes manuais japonesas, desde a descoberta do origami quando era criança, até estudar história do Japão na faculdade, até depois descobrir o furoshiki e o sashiko e, entretanto, trabalhar com uma marca de relógios made in Japan na minha vida profissional, onde tenho a oportunidade de traduzir e editar conteúdo com uma grande dose de cultura, tradições e mestria artesanal japonesas.
Então, regressemos à mala.
Sabia que queria fazê-la em crochet mosaico sobreposto (o que mais?), com fio Re-Use da Rosários4 nas cores índigo e cru, de que já tinha o suficiente em casa e combinava na perfeição com o tema do sashiko. Sabia também que queria fazê-la com uma construção que se costuma ver com quadradinhos da avó, em que se dobra o tecido em 3 sítios.
Tinha apenas que perceber ainda:
de que tamanho queria fazer a mala, e isso implicou aplicar o Teorema de Pitágoras, o que foi uma ligeira dor de cabeça, confesso: felizmente, tenho alguém ao meu lado que está mais à-vontade com matemática, disposto a partilhar a sua sabedoria (e a gozar um pouco comigo também…);
que tipo de padrões geométricos podia fazer em crochet mosaico e que se assemelhassem de alguma forma aos padrões de pontos do sashiko;
como podia combiná-los de uma forma mais ou menos aleatória para replicar o efeito meio remendado, semelhante a patchwork, dos tecidos tradicionais japoneses que usam sashiko;
e no final, que tipo de alça colocar na mala.
Tive que me refrear para não começar logo a fazer a mala, e planear primeiro, porque queria mesmo que resultasse, e queria poupar-me o trabalho de desfazer sei lá quantas vezes, ou de ficar frustrada e acabar por desistir.
O Excel é a minha ferramenta favorita para planear desenhos em crochet mosaico. Mas por mais que planeie com antecedência, o fazer o crochet em si reserva algum mistério e algumas surpresas pelo caminho.
Uma delas é algo que ainda estou em vias de perceber: a geometria dos pontos em si, e como a combinação de pontos altos e pontos baixos afecta o formato do tecido.
Com este tipo de design, isto não era um problema porque os padrões eram pequenos o suficiente para disfarçar o facto de cada um dos 3 painéis quadrados que compõem o tecido da mala não ser exactamente quadrado, e acaba por funcionar no final. Para um design que seja, ele próprio, um quadrado (como um inspirado por azulejo ou axadrezado), já é mais desafiante (e é mais um trabalho-em-desenvolvimento).
A outra surpresa parcial é que o tecido da mala é reversível. A surpresa é parcial porque já tinha visto (com esta pulseira) como a técnica contínua da Susan Lowman com pontos ancorados torna o verso do tecido totalmente plano, e assim ficamos com um efeito listrado que podemos usar. E… o verso pode até ser mais bonito que o direito.
E, apesar deste tipo de mala com três dobras ser normalmente usado achatado e com uma alça de ombro, ao brincar com a mala como se fosse um origami, acabou por emergir uma forma semelhante a uma pirâmide tridimensional e com 3 faces. E adorei o efeito. E adoro também alças que são ajustáveis ou deslizantes. Em conjunto com a minha vontade de tirar partido de o tecido ser reversível, queria encontrar uma solução que permitisse fazer as duas coisas:
tornar a mala totalmente reversível, alça incluída;
dar à mala essa forma 3D quando estivesse fechada.
Este “E se” resultou numa solução simples: uma espécie de alça tipo pulseira, que se costura por dentro e por fora de uma das pontas da mala, e passar por uma presilha deslizante na outra ponta da mala. Os dois “elementos” ficam exactamente com o mesmo aspecto e funcionamento, seja qual fora o lado do tecido que a gente use.
“E se” numero dos: expor-me e ser rejeitada
Estava e estou mesmo entusiasmada com esta mala, e tenho a intenção há já algum tempo de começar a responder a pedidos de propostas para tentar ter um projecto meu publicado numa revista. Esse é um sonho objectivo que tenho, e não tenho medo de o dizer. :D
Portanto, eu sabia que estava a terminar o prazo para enviar propostas para uma revista que sigo, e… perguntei a mim mesma “E se propusesse esta mala?”. E assim fiz, completamente consciente que era mais do que provável que não seria seleccionada, uma vez que a forcei a encaixar num dos temas da edição da revista, e havia provavelmente muito mais propostas mais adequadas e melhor apresentadas que a minha, de pessoas com mais experiência e competência que eu como designers.
E eu estava tranquila em relação a isso! De alguma forma, tinha sentimentos mistos sobre o assunto. Tinha alguma esperança de que não fosse seleccionada, porque estava tão entusiasmada com o design, que não me apetecia nada mantê-lo em segredo por mais uns 6 meses, como costuma ser o caso quando se desenha para revistas.
E não foi escolhida! O que abriu espaço para o próximo “E se”.
“E se” numero tres: tirar-me a mim e às minhas peças da zona de conforto, i.e., de casa
O dia 15 de Agosto é feriado nacional em Portugal, e acontece que é também o Dia Internacional do Quadradinho da Avó. E… foi o dia que a Inês Costa escolheu para realizar um evento no seu atelier, o Petit Comité.
Tinha o propósito de celebrar os quadradinhos da avó, e ser o dia de inauguração do atelier como espaço para realizar workshops e outros eventos, relacionados com artes têxteis e não só. E acontece que eu sigo a conta de instagram da Inês para o Petit Comité, e que conheço ao vivo e a cores a Mónica d’O Fio das Moiras, sua co-anfitriã, uma pessoa que me inspira e simplesmente transmite as melhores energias possíveis. E acontece também que estava em modo férias.
Logo… e se eu fosse ao encontro? Porque não? Conheço pelo menos uma pessoa, o que ajuda. E qual é o pior que pode acontecer? Não é como se as pessoas me fossem comer, como pude já constatar inúmeras vezes ao longo dos meus 43 anos de vida. Não, nunca ninguém me arrancou um pedação. E tenho já consciência de que te preciso de sair mais, e que até é bom para mim conhecer gente, e interagir com pessoas que partilham comigo este amor pelas manualidades.
Uma vez que era o Dia Internacional do Quadradinho da Avó, aproveitei a ocasião para terminar a mala, de forma a poder tirar algumas fotos para publicar no Instagram no próprio dia, como uma mala “Definitivamente-sem-Quadradinhos-da-Avó” [isto em inglês soa melhor…]. Uma graçola inocente de vez em quando também faz falta, e ri-me para mim própria com a ideia, por isso aí foi.
Assim, nesse dia, partilhei fotos da mala online, e tive também a oportunidade de a mostrar ao vivo a outras pessoas. E a reacção foi incrível… Senti-me mesmo validada, e encorajada e incentivada de forma gentil, offline e online, a dar o próximo passo e avançar mesmo com a publicação do esquema.
Não só isso, mas fui ainda desafiada pela Inês a fazer um workshop no Petit Comité para ensinar a fazer esta mala! É difícil encontrar palavras para exprimir o contente e entusiasmada que fiquei com isto. E não consigo agradecer o suficiente à Inês e à Mónica, e também a todas as pessoas que estiveram presentes no evento, pelo quanto me encorajaram; deixaram-me sem palavras com a sua simpatia e o seu apoio, que ainda se faz presente hoje de uma forma ou de outra.
“What if” numeros cuatro, cinco, seis, siete… Perdi a conta!
Houve outros “e se” nestas últimas semanas, que valeram e valem também a pena para mim, e que contêm em si muito potencial, mas não vou continuar a torturar-te aqui, que este artigo está já muito longo. Suficiente será dizer que espero continuar a ter boas notícias em próximas edições, mas estou a levar as coisas um passo de cada vez.
Para já, estou focada em:
Ter a versão portuguesa do esquema desta mala de inspiração japonesa pronta para publicação. Está agora a ser testada por três senhoras fantásticas, que conheci no encontro no Petit Comité. É o primeiro teste que faço, e será o primeiro esquema que publico!
Estará disponível para compra no Ravelry primeiro, em princípio. Parece ser o melhor sítio e o mais simples para começar, mas ainda tenho que perceber algumas coisas. Mantenho-te a par, e isto é uma promessa.
Quando o teste terminar e a versão PT estiver pronta, vou então fazer um teste para a versão em inglês. Se souberes de alguém que possa ter interesse, dá-lhe o toque! :).
Definir todos os detalhes do workshop no Petit Comité com a Inês, para poder ter tudo preparado a tempo e o melhor que conseguir. É assustador, mas também muito entusiasmante. Segue a Inês no Instagram, e espreita os workshops maravilhosos que vão acontecer no Petit Comité em Lisboa em Setembro. Vai haver um agora, no dia 2 de Setembro, com a Mónica d’O Fio das Moiras, mas suspeito (e espero!) que não seja o último que faz no Comité. Claro que não vai ser o último.
Trabalhar em outras 2-3 ideias que surgiram de um “E se” de que não falei acima, mas conto tudo quando chegar o momento.
E é tudo por agora, minha querida e corajosa leitora (ou leitor)!
Adorava saber o que pensas sobre o que acabei de discorrer. :) Está à vontade para deixar um comentário. Mi casa es tu casa.
Bem-haja e até à próxima (seja quando for)!
Ana
Algumas notas soltas
Este episódio Fiber Nation Podcast: From Russia with Love vale tanto a pena. Uma conversa com Galina Khmeleva sobre a renda de Orenburg e que é sobre muito mais do que uma técnica tradicional.
Recentemente, publiquei o meu primeiro artigo na. Estou muito contente por participar num projecto tão fixe, e por trabalhar com um grupo muito especial de pessoas. Subscreve a KnitLeaks aqui no Substack e segue a conta no Instagram para notícias, eventos e artigos interessantes sobre artes têxteis.
A propósito de “E se”’s, já estava a pensar em enviar outra proposta de projecto para outra revista enquanto espera pela resposta à primeira que alguma vez enviei. Estou agora alegremente à espera de receber a minha segunda rejeição, mas a pensar “e se for seleccionada?”. Seria tão fixe… Isto ser sequer uma possibilidade é muito, muito entusiasmante, mas para já, dou uma palmadinha no ombro a mim própria por pelo menos tentar, e construir uma proposta é por si um desafio muito giro, e um exercício em si mesmo.
Objectos Terminados
Houve mais, mas partilho apenas dois. Há uma possibilidade de que não seja tão profícua durante os próximos meses, por isso guardo-os para outro dia.
Se ao leres este artigo te veio alguém (de quem gostas) à mente, e ficaste a pensar que talvez gostassem de o ler também, já sabes o que podes fazer. ;)